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'O vírus desafia nossa capacidade de empatia', diz psiquiatra

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

Em dias de tantas incertezas, e com o confinamento necessário para evitar a pandemia do coronavírus, tanto para quem está em casa quanto quem precisa sair, cuidar da mente é tão importante quanto preservar a saúde física. Para falar em como lidar com o estado emocional neste período, o psiquiatra Carlos Alberto do Nascimento, voluntário da Lauduz foi entrevistado, ontem, no programa Direto da Redação do Diário.

Diário - Por que é tão necessário cuidar da mente neste período difícil que o Brasil e o mundo enfrentam?

Carlos Alberto do Nascimento - Passamos por um momento que exige enfrentamento e busca por estratégias para evitarmos a contaminação com o coronavírus, sem deixar de lado a saúde mental. O Brasil vivenciou uma situação de isolamento por conta da gripe espanhola em 1917. Ou seja, a era moderna não passou por isso. Com a questão da globalização e do ponto de vista comercial, a situação se expandiu. Sem desconsiderar o ponto de vista dos infectologistas, percebe-se a necessidade de estarmos atentos ao nosso estado emocional. Ninguém está imune. Estamos vulneráveis e, portanto, iremos vivenciar um aumento de sofrimento psíquico. Este é um momento de prevenção e promoção da saúde mental.

Diário - O primeiro desafio é compreender o que está acontecendo?

Nascimento - Sempre achamos que estamos protegidos e que situações graves só acontecem longe de nós. Começamos a nos preocupar com o coronavírus somente em final de fevereiro, sendo que a pandemia na China e na Itália já dava sinais de alerta em dezembro. A Covid -19 não tem bandeira. Ela é democrática e afetou todos os países. O vírus desafia nossa capacidade de empatia e de conseguir, realmente, ter uma dimensão do que está acontecendo. Além disso, é importante se colocar no lugar e ajudar a quem está sofrendo com o medo da doença.

Diário - Em Santa Maria, o psicológico coletivo já é sintomático? Temos um pré-diagnóstico da cidade?

Nascimento - A gente percebe que muitas pessoas, tanto as que já se tratam com especialista ou não, passam por certo nível de sofrimento e aumento significativo de estresse. É bom enfatizar que, nessas situações, um certo nível de estresse e necessidade de readaptação são naturais. Uma pandemia pode gerar, sim, um alarme para atitudes como enfrentamento ou fuga. Há, ainda, aqueles que já buscam tratamento com especialistas e os mais vulneráveis, que podem desenvolver transtornos como pânico e depressão.

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)
Repórter Pâmela (à esq.) e Jaiana  conduziram a entrevista com o psiquiatra

Diário - Como cuidar da cabeça nessas circunstâncias, seja de isolamento ou de quem precisa trabalhar?

Nascimento - Mantenha contato com a rede de amigos. As redes sociais estão aí para isso. Tente não entrar em situações de pânico, siga as orientações dos órgãos de saúde pública e, se já está em tratamento psicológico, mantenha contato com a pessoa que lhe atende. Uma alternativa é procurar a Lauduz, plataforma que atende por videochamada pessoas com sintomas do coronavírus.

Diário - Há especificidades no atendimento psicológico pela Lauduz?

Nascimento - Basicamente, será uma escuta ativa para que a pessoa possa expressar o que está sentindo e tirar dúvidas. O enfoque será humanizado, com base na empatia para que todos possam se sentir compreendidos e acolhidos.

Diário - Procurar o Centro de Valorização à Vida (CVV) é válido também?

Nascimento - Sem dúvida alguma. É uma iniciativa muito bem estruturada e que tem um papel decisivo na questão de crise e saúde mental. Quem está se sentindo vulnerável pode, sim, ligar para o 188.

Diário - A enxurrada de informações pode ser nociva?

Nascimento - É fundamental, agora, buscar informações de forma equilibrada e de fontes confiáveis. Só assim, pode-se ter uma dimensão real da situação e sem insegurança. O tempo nas redes sociais também precisa ser equilibrado. Assim como higienizar o corpo, o ambiente e cuidar da alimentação, higienizar a mente é muito relevante nessa hora.

Diário - Arrumar a casa, ler, assistir a filmes e séries. Todo mundo tem dicas para os dias de confinamento.

Nascimento - O isolamento não pode virar um paralisação. O sono deve ser regrado, sem exageros. Busque essas e outras alternativas e use a internet para não perder vínculos. É um bom tempo para interagir com os animaizinhos de estimação. Nada de peso ou tiranias agora.

Diário - O senhor participa do blog Tem que Continuar?

Nascimento - Sim, é uma excelente iniciativa voltada à cultura da cidade. Nessa plataforma, os artistas locais enviam apresentações on-line e dicas para passar por esses dias difíceis. Estou ali para contribuir no que se refere à saúde mental.

Diário - Que sinais o corpo dá para a gente ligar o sinal de alerta?

Nascimento - Fique atento à falta de apetite ou se está comendo demais. Problemas orgânicos, sensação de isolamento e alergias podem ser sintomas psicossomáticos também. Quem tem idosos em casa, procure conversar mais com eles.

Diário - E quanto aos cuidados pós-pandemia?

Nascimento - Só saberemos a total dimensão dos transtornos psíquicos decorrente da pandemia ao longo do tempo. Isso vai acontecer em três fases. Na primeira, vem o choque do diagnóstico, ainda que a pessoa não apresente sintomas. Na sequência, a necessidade de se isolar, se fechar ainda mais. E, por fim, alguns vão ficar muito mal psicologicamente. É importante ultrapassar a fase do medo e ser proativo desde agora, tomando os cuidados recomendados.

Diário - Como o senhor avalia nossa estrutura em relação à saúde mental?

Nascimento - A demanda e o tempo de espera de atendimento são muito grandes. A saúde mental de Santa Maria precisa avançar e contemplar mais a necessidade da população.

Diário - É possível que, diante da tensão, as pessoas desenvolvam os sintomas da infecção por coronavírus de forma psicológica?

Nascimento - Não há nenhuma relação da ação do vírus e a afetação do sistema nervosos central. É cedo para dizermos isso. O problema é a velocidade de transmissão. O que pode acontecer é uma situação de sofrimento pelo medo de ser infectado. Temos que considerar todos os aspectos que podem trazer consequências às pessoas. Há o medo do desemprego e, algumas pessoas, já estão desempregadas. Esperamos que as autoridades consigam focar na saúde da população.

Diário - Podemos chamar o coronavírus de "vírus da solidão"?

Nascimento - É forte falar assim. Não necessariamente precisamos ficar a sós. As pessoas têm que buscar interagir. O isolamento é físico e não social. Por outro lado, não podemos esquecer que alguns cidadãos têm pouquíssimos vínculos, como é o caso de idosos, que, por exemplo, já não tem mais irmãos vivos.  

Diário - Como agir com as crianças durante a pandemia?

Nascimento - Mantendo a naturalidade do dia a dia. Temos de usar a criatividade, brincar. Algumas escolas estão realizando atividades online. Os responsáveis devem auxiliar as crianças a manterem o interesse pelo conteúdos escolares.

Diário - Quais são orientações para aquelas pessoas que não puderam parar de trabalhar durante a pandemia?

Nascimento - Cuide dos cuidadores. Os profissionais de saúde não podem se isolar. Devem conversar sobre os sentimentos, fazer interações virtuais, em grupo. Não é uma corrida de 400 metros rasos, é uma maratona, que não vai terminar tão rápido. Temos de lidar com o sofrimento de quem cuida. Devemos, também, ter uma abordagem com empatia com quem não pôde parar de trabalhar. Se aumentamos a distância física, temos que criar um espaço de compreensão emocional. Em Santa Maria, vivemos uma tragédia local em 2013, que impactou em toda a nossa população. Agora, estamos vivendo uma situação mundial, que causa impacto em toda a população. Os familiares de vítimas da Kiss podem ser mais suscetíveis emocionalmente e tem de ser lembrados agora.

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